sábado, 24 de fevereiro de 2007

APONTAMENTOS SOBRE O PÓS-ABRIL, O PREC

Este texto faz parte de um comentário a «Salazar alvo de ódio...» e, pelos dados de pormenor que apresenta, merece lugar de maior visibilidade e pode servir de elemento de consulta a interessados na história dos dias posteriores à revolução de Abril.

Dados sobre a revolução de Abril
De «maquina»
Aqui fica a minha opinião, se puder deixar sem ofensa a ninguém...

Muitos consideram o 25 de Novembro de 1975 como o epílogo da Revolução Portuguesa.

Não concordo com essa opinião. Em 25 de Novembro foram derrotadas as forças políticas mais radicais, que tinham impulsionado o PREC. A partir daí deu-se o refluxo da maré revolucionária, mas não se encontraram os equilíbrios sociais próprios de uma sociedade democrática estável. O epílogo da Revolução Portuguesa deu-se com a ascensão ao poder de Cavaco Silva, a sua consolidação política e o fim do espectro de uma fase cesarista, consubstanciada em Eanes e no Conselho da Revolução, cesarismo frequente nos finais das revoluções quando as sociedades não conseguem encontrar equilíbrios consensuais.

A primeira quinzena de Julho de 1974 marca o fim da primeira fase da revolução: a fase dos notáveis. Nessa primeira fase tinham confluído os interesses da oficialidade mais jovem, descontente com uma guerra sem solução militar à vista, o liberalismo tecnocrático, ansioso de se pôr em dia com a Europa e que reprovava a ineficácia do aparelho salazarista, e as opções da pequena burguesia esclarecida, favorável a uma estratégia democrática. Essa fase acabara. Entre 8 e 12 de Julho era criado o COPCON (8-7), caía o governo de Palma Carlos (9/7) e Vasco Gonçalves era indigitado 1º ministro (12-7). O poder da rua impunha a sua força.

Para contrariar o protagonismo das forças radicais, Spínola faz apelo à «Maioria Silenciosa». O problema da «Maioria Silenciosa» é que ela é ... silenciosa. Pode exprimir-se nas urnas, mas não tem apetência para acções de rua, a menos que adquira o sentimento da sua força e importância numérica, através do sufrágio. Este apelo de Spínola, embora tivesse apoio de gente do PS, foi prematuro e precipitado.

Mas isso ocorre normalmente em qualquer revolução deste tipo (revolução de Abril, Revoluções Francesas 1789-99 e 1848-51, revolução bolchevique, etc.). Tentativas extemporâneas de inverter uma revolução acabam sempre por a fortalecer.

A elaboração de um «Programa Económico de Transição» coordenado por Melo Antunes foi um acto falhado. Quando começou a ser concebido fazia sentido. Quando foi concluído, veio à luz num país em que cada força política tinha objectivos diferentes e mutuamente opostos e estava convencida de conseguir atingi-los. Um mês depois Spínola é levado a tentar um golpe de estado, para inverter o processo. Dá-se a insurreição da Base Aérea de Tancos e um ataque aéreo ao Quartel do RAL1. Esta intentona, completamente desajeitada, enfraquece as forças que se opõem ao PREC e reforça os elementos radicais. Uma onda de nacionalizações (banca e seguros) abala os fundamentos económicos da sociedade portuguesa.

As eleições de 25 de Abril de 1975 para a Constituinte contaram “a rua”. Não chegavam a 20%. Poderiam ter servido de matéria de reflexão para os líderes que “comandavam a rua”, mas nunca servem. Na Assembleia Constituinte na Rússia os bolcheviques tiveram um peso eleitoral ligeiramente superior (25%), mas como tinham as forças armadas (quase totalmente expurgadas de oficiais) nas mãos, dissolveram a Constituinte e tomaram o poder. Durante a Revolução Francesa, a Montanha dispunha de pouco mais de 10% dos Convencionais. Mas o pavor em que os membros da Convenção Nacional viviam face à violência das secções populares arregimentadas pela Comuna de Paris, levou-os a votarem favoravelmente as decisões mais perversas da Montanha e foram precisas sucessivas cisões no interior da Montanha para que acontecesse o 9 Thermidor e acabasse o terror. Até se auto-destruir, a Montanha dominou a seu bel-prazer.

Mas a Revolução Francesa ocorreu há mais de 2 séculos, numa época em que a consciência cívica e democrática estava ainda em embrião. A Revolução Bolchevique deu-se em plena Grande Guerra, numa época em que o Mundo vivia uma grande instabilidade. O MFA consciente de que as eleições seriam desfavoráveis para o PREC tentou subverter os seus resultados previsíveis através de uma série de medidas prévias à realização das eleições: 1) Institucionalização do MFA através da criação do Conselho da Revolução (CR) e da Assembleia do MFA. O CR ficaria com poderes constituintes até à promulgação da Constituição. 2) Estabelecimento de uma Plataforma de Acordo Constitucional com os partidos, definindo um conjunto de regras a que a Constituição deveria obedecer, consagrando a existência constitucional do CR e da Assembleia do MFA e o direito de veto do CR sobre a Constituição, mas também sobre leis aprovadas na futuras Assembleia Legislativa. 3) À Constituinte ficava vedado ocupar-se da composição ou alteração do governo provisório.

Todos os partidos com pretensões eleitorais assinaram este acordo, pois não tinham alternativa.

Por via disso, e apesar da votação ser, para a «Aliança Povo-MFA», uma catástrofe muito superior à previsível, durante o mês seguinte foram nacionalizados sectores vitais da economia portuguesa: Produção, Transporte e Distribuição de Energia Eléctrica, Petróleos, Siderurgia, Cimentos, Transportes, etc., conjuntamente com a ocupação de terras nos meios rurais e a criação das UCP's, segundo o modelo soviético. Foi o «Socialismo aos empurrões»: a fraqueza eleitoral da «Aliança Povo-MFA» levou às nacionalizações apressadas, de forma a pôr as forças políticas que representavam mais de 80% do eleitoral perante factos consumados. Esta perversão política apenas serviu para arruinar o país, pois logo que as revisões constitucionais o permitiram, a quase totalidade daqueles activos (ou o que restava deles) foi privatizada.

O PS foi o principal vector de combate a esta situação. Sem qualquer mácula de ligações à ditadura, vencedor folgado das eleições e sistematicamente banido dos centros de decisão políticos e económicos, espoliado de acesso à comunicação social, inclusivamente d’A República (19-5-75), assumiu o papel de vítima. Uma semana depois as instalações da Rádio Renascença, propriedade do Episcopado, também eram ocupadas pelos trabalhadores. Em 16 de Julho, alegando estar a ser marginalizado e em vias de ser expulso da vida política, o PS abandona o governo e o PPD segue-lhe o exemplo.

Estes acontecimentos levaram a uma cisão no MFA. Muitos oficiais da elite revolucionária consideravam que se estava a caminhar no sentido inverso às intenções iniciais dos revoltosos, o estabelecimento de uma democracia parlamentar, e que as forças radicais estavam a tomar conta do processo e se caminhava para uma situação totalitária. Esta cisão foi-se aprofundando de uma forma dramática. A ala esquerda do MFA, COPCON (ligado aos esquerdistas) e gonçalvistas (ligados ao PCP e MDP) foi ficando isolada perante os sectores democráticos do MFA, agrupados atrás do Grupo dos Nove, e que se opunham às teses políticas do Documento Guia Povo/MFA, a Bíblia da ala esquerda.

Neste processo a ala esquerda do MFA acabou derrotada na Assembleia do MFA e Vasco Gonçalves obrigado a demitir-se, em fins de Agosto. Pinheiro de Azevedo sucedeu-lhe. Em face da fraqueza da ala gonçalvista do MFA, o PCP deixou-se arrastar para alianças pontuais com os grupos radicais de esquerda, julgando, porventura, que conseguiria liderar o processo. Ora isso era insensato: a ala gonçalvista não tinha força militar e o COPCON, que a tinha, estava completamente dominado pelos radicais de esquerda. Nesta via, o PCP andaria sempre a reboque dos esquerdistas.

Em Novembro a situação era insustentável e só podia resolver-se mediante a derrota militar de uma das facções. No dia 12, uma manifestação de trabalhadores da construção civil sequestra os deputados no Palácio de S.Bento. No dia 15 dá-se o juramento de bandeira no RALIS (ex-RAL1) onde os soldados quebram as normas militares que regulamentam o juramento de bandeira e fazem-no de punho fechado.

A exibição dos ícones revolucionários empolga os mais radicais, mas afugenta todos os outros. Os elementos radicais do COPCON ficaram isolados entre as forças armadas. No dia 20, o Conselho da Revolução decide substituir Otelo Saraiva de Carvalho por Vasco Lourenço no comando da Região Militar de Lisboa. Entretanto o Governo anuncia a suspensão das suas actividades alegando "falta de condições de segurança para exercício do governo do país". O próximo disparate dos elementos radicais das FA seria o detonador para a sua liquidação.

Tal ocorreu em 25 de Novembro quando paraquedistas da Base Escola de Tancos ocupam o Comando da Região Aérea de Monsanto e seis bases aéreas, contestando a decisão da sua passagem à disponibilidade. Era o momento esperado. Os militares ligados ao Grupo dos Nove e a maioria das FA decidem intervir militarmente. O PCP, confrontado com essa decisão, capitulou e comprometeu-se a não convocar os seus militantes e apoiantes para qualquer acção de rua. A alternativa seria um massacre inútil e a ilegalização do PCP.

O Presidente da República Costa Gomes decreta o Estado de Sítio na Região de Lisboa e elementos do Regimento de Comandos da Amadora cercam e tomam o Comando da Região Aérea de Monsanto ocupado pelos insurrectos, e depois atacam e conseguem a rendição do Regimento da Polícia Militar, unidade militar próxima da esquerda revolucionária.

Carlos Fabião e Otelo são destituídos, respectivamente, dos cargos de Chefe de Estado Maior do Exército e de Comandante do COPCON e Ramalho Eanes, o estratega 25 de Novembro, torna-se Chefe de Estado Maior do Exército.

Em 2 de Abril de 1976 é aprovada a Constituição da República de 1976 pela Assembleia Constituinte. Em 27 de Junho Ramalho Eanes é eleito Presidente da República e em 23 de Setembro dá-se a tomada de Posse do I Governo Constitucional, chefiado por Mário Soares.

Nos dias seguintes ao 25 de Novembro o PC foi apoiado e "salvo" pelo célebre discurso de Melo Antunes quando ele disse que o PC era essencial à revolução portuguesa. Melo Antunes pretendia que o poder se baseasse na existência de um equilíbrio. Sem o PC esse equilíbrio far-se-ia mais à direita; com um PC legalizado, o equilíbrio far-se-ia entre o PS e o PC, ou seja, num PS de esquerda, isto é, far-se-ia na zona política onde se encontravam os militares que então tutelavam Portugal.

Este discurso modelou a situação política nos anos que se seguiram. O país continuou sob tutela. Os grandes grupos económicos portugueses haviam sido liquidados e os sectores industriais e financeiros mais importantes ficaram vedados à iniciativa privada. A maioria das empresas públicas ia acumulando prejuízos sobre prejuízos e nada havia a fazer. A tutela militar, que servia de Tribunal Constitucional, e a própria Constituição de 76 impedia quaisquer modificações.

O PS que estivera ligado à revolução, que ganhara prestígio por ter combatido o gonçalvismo, que se tornara o partido hegemónico no sistema político português, não soube governar o país. Mesmo depois do fim da tutela militar, quando era possível criar em Portugal uma economia de mercado que funcionasse, o PS nunca se emancipou dos complexos da esquerda estatizante, apesar de inicialmente, em pleno PREC, ter sido contra as nacionalizações. O país arrastou-se sem rumo, com um clientelismo potenciado pela enorme quantidade de lugares disponíveis nas empresas públicas, em permanente crise económica e orçamental.

A fase terminal da revolução foi a emergência do eanismo, primeiro nos governos de iniciativa presidencial, depois na criação de um partido que iria redimir a pátria da situação miserável onde se encontrava, o PRD. Todavia a pátria não se redime com boas intenções, nomeadamente quando essas «boas intenções» estão equivocadas sobre as formas de resolver os problemas. Mas o PRD conseguiu um objectivo que não estava nas suas intenções. Propôs uma moção de confiança ao governo minoritário de Cavaco Silva. Essa moção é o paradigma dos equívocos da esquerda, vítima dos seus mitos. Como Cavaco Silva não fazia aquilo que cai sob a definição de «política de esquerda», era óbvio que seria derrotado nas eleições, caso a AR fosse dissolvida. Mário Soares, que via no eanismo o seu inimigo principal, dissolveu a AR e Cavaco Silva ganhou as eleições com uma estrondosa e inesperada maioria absoluta.

A revolução terminara.

Saudações de um camarada da barricada

maquina
"indicativo romeo"

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