segunda-feira, 4 de junho de 2007

A erosão familiar e a pobreza social

Extraído do semanário Expresso, por ter interesse para avaliar um aspecto actual da sociedade ocidental, a pobreza, e mostrar um factor causal pouco relacionado com um problema que é muito lamentado mas pouco situado na sua correlação com este aspecto.

Incómoda abertura intelectual

jcespada@netcabo.pt

Na América, há 10 anos que deixou de ser controverso afirmar que existe uma forte correlação entre erosão da família e aumento da pobreza. A notícia está a chegar à Europa.

Duas revistas publicadas na última semana trouxeram em capa e abriram a edição com uma referência à família. Uma delas é caseira - ‘Nova Cidadania’ - e o título ‘O Estado em guerra contra a família?’ (nº32, Abril/Junho) produziu ondas de sarcasmo habitual: lá vêm os conservadores do costume. Outra, porém, é estrangeira e de indisputada reputação liberal: ‘The Economist’, de Londres. O artigo ‘America’s marriage gap’ tem chamada de capa e abre a edição de 26 de Maio-1 de Junho.

O artigo de ‘Nova Cidadania’ é uma recensão de André Azevedo Alves (mestre pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica e doutorando na London School of Economics) a um livro recente do Institute of Economic Affairs de Londres: ‘The War Between the State and the Family’, de Patrícia Morgan. Ele dá sobretudo conta de três fenómenos interligados: a erosão da família biparental em Inglaterra ao longo das últimas décadas; a estrondosa correlação entre famílias monoparentais e pobreza, sobretudo das crianças; e, finalmente, a sucessão de políticas públicas antifamília biparental, com caricato culminar na sua fortíssima penalização fiscal.

O artigo de ‘The Economist’ refere-se a um país em que este assunto já foi abertamente discutido há 10 anos - a América. Por essa razão, deixou de ser sequer controverso afirmar que existe uma forte correlação entre erosão da família e aumento da pobreza. Toda a gente viu os números e acabou por aceitá-los. Isso está a gerar um incrível movimento espontâneo de inversão da tendência anterior: o casamento sobe e os divórcios descem entre os jovens que frequentam a universidade; entre os que não frequentam, prolonga-se a tendência anterior.

Acontece que “uma larga maioria - 92% - das crianças cujas famílias ganham mais de 75 mil dólares por ano vivem com os dois pais (incluindo padrastos). Na base da escala de rendimentos - famílias com menos de 15 mil dólares por ano - apenas 20% das crianças vivem com dois pais” (pág. 21). Este «marriage gap» (o título de capa) pode ser hoje o factor principal da crescente desigualdade de rendimentos na América.

A acreditar na experiência passada, as coisas começam na América e dez anos depois chegam à Europa. Os dois artigos citados ilustram isso mesmo. Não se trata de adivinhar o futuro. Basta ter abertura intelectual para olhar os factos e aceitar ser desafiado por eles. Em termos de reputação, é um bocado incómodo. Mas a alternativa é tremendamente aborrecida.

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