sábado, 9 de junho de 2007

O Portugal de agora. E o de amanhã?

Transcreve-se este texto que é um fiel retrato do Portugal de hoje, de todos os motivos de preocupação quanto ao futuro. A pergunta do título fica sem resposta. Esta depende de todos nós e dos políticos que elegermos para conduzirem a nau a bom porto.

Teremos ainda Portugal por muito tempo?
D. António Marcelino Bispo de Aveiro
In Correio do Vouga

O título tem um tom provocatório, mas eu vou justificar. Não digo que esteja para breve o nosso fim de país independente e livre. Mas, pelo andar da carruagem, traduzido em factos e sintomas, a doença é grave e pode levar a uma morte evitável. Aliás, já por aí não falta gente a lamentar a restauração de 1640 e a dizer que é um erro teimarmos numa península ibérica dividida. De igual modo, falar-se de identidade nacional e de valores tradicionais faz rir intelectuais da última hora e políticos de ocasião. O espaço nacional parece tornar-se mais lugar de interesses, que de ideais e compromissos.

Há notícias publicadas a que devemos prestar atenção. Por exemplo:
um terço das empresas portuguesas já é pertença de estrangeiros;
60% dos casais do país têm apenas um filho;
vão fechar mais cerca de mil escolas ou de mil e trezentas, como dizem outras fontes;
nas provas de língua portuguesa dos alunos do básico, os erros de ortografia não contam;
o ensino da história pouco interessa, porque o importante é olhar para a frente e não perder tempo com o passado;
a natalidade continua a descer e, por este andar, depressa baterá no fundo;
não há nem apoios nem estímulos do Estado para quem quer gerar novas vidas, mas não faltam para quem quiser matar vidas já geradas;
a família consistente está de passagem e filhos e pais idosos já não são preocupação a ter em conta, porque mais interessa o sucesso profissional;
normas e critérios para fazer novas leis têm de vir da Europa caduca, porque dela vem a luz;
a emigração continua, porque a vida cá dentro para quem trabalha é cada vez mais difícil;
os que estão fora negam-se a mandar divisas, por não acreditarem na segurança das mesmas; os investigadores mais jovens e de mérito reconhecido saem do país e não reentram, porque não vêem futuro aqui;
a classe média vai desaparecer, dizem os técnicos da economia e da sociologia, uma vez que o inevitável é haver só ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres;
os políticos ocupam-se e divertem-se com coisas de somenos;
e já se diz, à boca cheia, que o tempo dos partidos passou, porque, devido às suas contradições, ninguém os toma a sério;
a participação cívica do povo é cada vez mais reduzida e mais se manifesta em formas de protesto, porque os seus procuradores oficiais se arvoram, com frequência, em seus donos e donos do país e fazedores de verdades dúbias;
programa-se um açaime dourado para os meios de comunicação social;
isolam-se as pessoas corajosas e livres, entra-se numa linguagem duvidosa, surgem mais clubes de influência, antecipam-se medidas de satisfação e de benefício pessoal…
Não é assim, porventura, que se acelera a morte do país, quer por asfixia consciente, quer por limitação de horizontes de vida?

É verdade que muitos destes problemas e de outros existentes, podem dispor de várias leituras a cruzar-se na sua apreciação e solução. Mais uma razão para não serem lidos e equacionados apenas por alguns iluminados, mas que se sujeitem ao diálogo das razões e dos sentimentos, porque tudo isto conta na sua apreciação e procura de resposta.

Há muitos cidadãos normais, famílias normais, jovens normais. Muita gente viva e não contaminada por este ambiente pouco favorável à esperança. Mas terão todos ainda força para resistir e contrariar um processo doentio, de que não se vê remédio nem controle?

Preocupa-me ver gente válida, mas desiludida, a cruzar os braços; povo simples a fechar a boca, quando se lhe dá por favor o que lhes pertence por justiça; jovens à deriva e alienados por interesses e emoções de momento, que lhes cortam as asas de um futuro desejável; o anedótico dos cafés e das tertúlias vazias, a sobrepor-se ao tempo da reflexão e da partilha, necessário e urgente, para salvar o essencial e romper caminhos novos indispensáveis. Se o difícil cede o lugar ao impossível e os braços caiem, só ficam favorecidos aqueles a quem interessa um povo alienado ao qual basta pão e futebol…

Mas não é o compromisso de todos e a esperança activa que dão alma a um povo?

D. António Marcelino, Bispo de Aveiro

1 comentário:

A. João Soares disse...

Transcrevo aqui o comentário que deixei em Do Mirante em resposta ao de Teresa Calção, residente nos EUA:
É realmente uma opinião muito crítica e realista, mas eivada de pessimismo, mostrando com coragem e frontalidade de homem iluminado, mas que não deixa uma ponta de esperança para um futuro mais animador. Essa saída temos que ser nós a formulá-la, após a leitura, com a consciência de que se trata do nosso País, de todos e de cada um de nós, e que nos cabe a tarefa da construção do Portugal de amanhã.
Não devemos esperar nem milagres divinos nem a vinda de um Comissário da ONU ou da UE para resolver um problema que é nosso.
Este texto merece ser lido, vendo nele o toque do despertador para acordarmos perante as tristes realidades e tomarmos o mais rápido possível as medidas necessárias para que se recupere a felicidade e a qualidade de vida a que temos direito, num País moderno ao nível do nossos parceiros europeus. Os portugueses não devem resignar-se a viver pior do que os outros europeus. Estamos em democracia e o povo é responsável pelo que está a passar-se. Deve exigir dos seus representantes que interpretem bem as suas (do Povo) necessidades e actuem no sentido de as satisfazer, nas condições em que prestaram juramento nos actos de posse.
Este texto de D. António Marcelino será muito útil se as pessoas o interpretarem neste sentido, mas será trabalho inútil se for tido como mera má língua.
Felicito o Sr. Bispo pela sua visão clara, este grito de alerta.