sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Ajudar não é coisa fácil

Ajudar poderá significar o exercício de um esforço em colaboração com o agente principal da acção em curso, com vista a incrementar os resultados do esforço total, aliviando um pouco o daquele agente.

A ajuda só se compreende quando for desejada pelo agente principal e que este a saiba utilizar com vista a potenciar o seu esforço, obtendo melhores resultados. Quem ajuda deve ter a sensatez e o cuidado de coordenar o seu esforço de forma integrada com a acção e os resultados pretendidos, evitando substituir o agente principal ou a ele se sobrepor.

Hoje, numa visita rápida a dois jornais diários, retirei cinco títulos que nos fazem meditar seriamente neste assunto.

- Um dos títulos coloca em evidência a oferta de um carro de lixo que já não está em condições de exercer a função para que foi construído. Em «Moçambicanos e mal agradecidos» o autor com muita ironia, diz « O camião do lixo que Rui Rio ofereceu à Cidade da Beira e esta recusou poderá "não conferir" utilização na recolha do lixo, mas sempre há-de "conferir" outra utilização qualquer. A Câmara da Beira poderia, por exemplo, oferecê-lo por sua vez à Câmara de Ouahigouya (Burkina Faso), esta à Câmara de Phuntsholing (Butão), esta à de Tanjakent (Tajikistão), esta à de Natitingou (Benin), esta à de Nak'fa (Eritreia), e por aí fora, e o camião do lixo do Porto tornar-se-ia (como os medicamentos fora de prazo que as multinacionais farmacêuticas desinteressadamente doam aos países pobres, poupando milhões em impostos) num verdadeiro embaixador da generosidade internacional, perpetuando o nome de Rui Rio junto dos descamisados de todo o Mundo. A coisa seria ainda mais louvável se o génio económico de Rui Rio se tivesse lembrado de, em vez do camião, oferecer o próprio lixo da cidade (e por que não mesmo a vereação PSD/CDS?) ao Terceiro Mundo.» Não são necessários comentários.

- Em «Ajudar não é para todos» são bem expressivas as seguintes palavras: «A trapalhada em que caiu a ONG Arca de Zoé, no Chade, demonstra que o trabalho humanitário é sério de mais para ser deixado nas mãos de amadores. Dir-me-ão que amador e amar estão ligados e que sem amar não se pode fazer trabalho humanitário. Pois acho preferível a secura profissional. De boas intenções estão os campos de refugiados cheios de gente que só atrasa e, isso, com a presunçosa intenção de ajudar. (...) Os lugares de intervenção das ONG são por definição trágicos. O mínimo de prudência aconselha que para essas circunstâncias tão más só acorra quem sabe. É como num incêndio: pataratas só servem para atrapalhar os bombeiros. Entre os crimes da Arca de Zoé já há este, provado: atrapalharam as ONG sérias.»

- Em «Arca de Zoé e crianças do Chade» podem destacar-se as seguintes palavras «Os elementos da ONG (organização não governamental) Arca de Zoe podem até merecer o benefício da dúvida quanto às suas intenções. Mas são indesculpáveis na sua irresponsabilidade. Estes "amadores", como escreveu em editorial o Libération, foram longe de mais. Ao tentarem levar 103 crianças do Chade para França - pelas quais várias famílias francesas já tinham pago milhares de euros -, puseram em causa toda a constelação de ONG. Países como o Sudão já ameaçaram expulsar as organizações humanitárias estrangeiras. (...)
A acção humanitária é algo de nobre. Mas é preciso cautela, porque sob a sigla de ONG se escondem realidades muito diferentes. Tanto pode haver uma Arca de Zoe como uma Amnistia Internacional com o seu profissionalismo irrepreensível. Quando se trata de vidas, profissionalismo é o mínimo que se pode exigir. Não chegam boas intenções.

- Em «Crianças raptadas tinham pais e não eram de Darfur» pode ler-se «Um relatório de duas agências da ONU e da Cruz Vermelha, ontem divulgado, afirma que a maioria das 103 crianças africanas que um grupo francês planejava levar do Chade para a Europa tinha famílias. O relatório diz que 91 das crianças vieram de um lar com "pelo menos um adulto considerado um dos pais" e que, portanto, não eram órfãs, como alegavam os franceses. O documento também afirma que a maioria das 21 meninas e 82 meninos, com idades entre um e dez anos, veio de aldeias no Chade, perto da fronteira com o Sudão, e não das zonas de conflito de Darfur, contrariando outra alegação dos franceses que pertencem à Arche de Zoé.»

- No artigo «Sentimento anti-ocidental está a crescer no Chade» lê-se «O governo de Idriss Deby já declarou que os ocidentais se aproveitaram do conflito de Darfur e que não seria a primeira vez que os franceses fariam tráfico de crianças. O governador do sul de Darfur afirmou: "Todos sabemos que as ONG ocidentais têm um impacto negativo na cultura islâmica. Dizer que há demasiadas aqui não é uma opinião, é um facto". Entre a população e nos jornais, os estrangeiros, à excepção dos árabes, são agora vistos como esclavagistas e raptores. Um dos diários publicava: "Negreiros violadores dos tempos modernos". E Idriss Deby, responsável pela campanha, incendeia a fogueira do nacionalismo africano e do perigo do neo-colonialismo, recusando, que esta seja uma forma de hostilizar a presença ocidental no Darfur, e de paralisar as conversações de paz para a região, organizadas pela ONU na Líbia.»

Enfim, não bastam as boas vontades. É preciso saber actuar de modo a não produzir catástrofes em vez de salvar vítimas das circunstâncias. O bom senso é indispensável. A adequada preparação prévia é fundamental. A escolha criteriosas dos componentes das missões das ONG é imprescindível. AJUDAR NÃO É TRABALHO PARA MEROS AMADORES.

2 comentários:

Beezzblogger disse...

Caro A João Soares, de facto ajudar não é fácil, mas entre o difícil estará certamente a inércia, ou a má vontade. Eu pelo que li, nos seus artigos do blog, acho que a boa vontade é meio caminho andado para uma ajuda eficaz, faltando claramente a competência e o profissionalismo mas muitas das vezes, os competentes esbarram em burocracias tecnocratas, que atrasam todo o processo de que quem tem um uma vida de miséria, e cada dia que passa, parecem 100 anos.

Belo Post, como sempre, lutemos juntos para que este mundo se trone mais fraterno.

Abraços do Beezz

A. João Soares disse...

Caro Beezz,
Estamos de acordo. A boa vontade é fundamental, mas tem de ser acompanhada de bom senso e competência, para não estragarem o que demorou anos a criar. Imagine que entrega o seu computador a um mecânico de bicicletas cheio de boa vontade mas sem conhecimento de hardware...
A burocracia, essa é de pôr de lado. Apenas é necessário algum conhecimento de organização e de planeamento e seriedade, vontade de ajudar e bom senso para enquadrar as acções a desenvolver. No caso das crianças do Chade mais do que ignorância deve ter havido desonestidade e corrupção.
Mas este fracasso não deve impedir que as ONG honestas continuem a socorrer os que precisam de auxílio para aprenderem a pescar.
Um abraço