domingo, 3 de fevereiro de 2008

Bancos e política vistos pela «Maria»

Transcrevo esta carta recebida por e-mail do amigo ASM, em que uma pessoa simples, do interior beirão, exprime a sua confusão sobre os acontecimentos recentes do BCP. «Dúvidas» de um cidadão que, à semelhança de muitos outros, não é tão ignorante como os políticos julgam.

"Excelentíssimo Senhor, peço desculpa por tomar a liberdade - que estranha me soa esta palavra nestes tempos que correm! - de lhe escrever. Habituei-me a ler as suas crónicas no Jornal "As Beiras" e, como o senhor diz coisas que não se ouvem nas rádios e televisões e escreve o que os outros não escrevem, atrevi-me. Deus queira que me entenda. Se for possível... Já que eu própria cada vez menos entendo o que se passa.

Vejo na televisão a toda a hora que o maior banco privado português vai ter novos administradores. De início, nem percebi lá muito bem onde estava a novidade. Mas o meu Manel explicou-me que lá no banco andavam todos às avessas e que até o filho do patrão ficou com o dinheiro que era dos accionistas. Mas se o pai é o dono, disse-lhe eu, aquilo é dele também. O meu Manel então mandou-me calar e que não dissesse disparates. Lá essas coisas das finanças eu não percebo... Mas como não sou burra, quis entender melhor. O diacho é que não é fácil. Então, para chefe daquele banco vai concorrer o administrador do maior banco do país, que por sinal é do Estado? O meu Manel lá tentou fazer-me ver a coisa. É assim a modos que o presidente do Benfica sair do clube para ser presidente do Boavista. Eu disse ao meu Manel que desse modo o homem leva consigo os segredos do negócio e o meu Manel até concordou. O meu Manel disse-me também que um desses magnates cheio de nota que fala assim um americano com sotaque da Madeira e viveu na África do Sul onde ficou todo rico e que está sempre a aparecer na televisão e até gosta muito de pinturas comprou acções do banco privado, mas com o dinheiro que pediu emprestado à Caixa, o tal banco público, e que quem lhe emprestou esse dinheiro, o chefe do banco público, é agora o mesmo moço que quer ser chefe do banco privado. E que esse moço, esse senhor doutor, como me corrigiu o meu Manel, e um outro, o doutor Vara são todos do partido do senhor engenheiro que nos governa e do partido do chefe do Banco de Portugal que segundo o meu Manel é uma entidade que regula os bancos, uma espécie de árbitro, disse-me ele. E eu então disse-lhe: Ai homem que já percebi! Se é árbitro não me digas que está feito com uma das equipas, como os outros? O meu Manel mandou-me calar, que eu não percebia era nada de finanças. Nem de finanças, nem de politiquices. Que a mim, quer-me parecer que são a mesma coisa. Os bancos mandam no governo e o governo desmanda dos bancos e uns e outros são farinha do mesmo saco e no fundo quem tudo decide são esses senhores muito ricos. O meu Manel respondeu: é isso! E explicou-me que era uma grande promiscuidade. Eu nem conhecia a palavra, mas quando ele me disse que era assim uma rebaldaria enorme como as da vizinha do segundo esquerdo que anda metida com todos os homens do prédio - todos, menos o meu homem! - então eu fiquei esclarecida.

A carta já vai longa e a modos que confusa. Mas como não haveria uma pobre reformada de andar confusa? Estava para aqui sentada neste banco de jardim e decidi escrever-lhe. Se havia de ficar a matutar no dinheiro que devo na farmácia ou para aqui a dar voltas ao miolo a ver se invento o que fazer para o almoço para não ser sempre só sopa e pão, que até o pão já está mais caro, e do leite nem se fala! Ao peixe e à carne só lá chego em dias de festa, e esses são cada vez mais raros, que a pensãozita vai-se toda na luz, na água e no gás. Na farmácia, lá vou escolhendo os medicamentos, umas vezes trago o do colesterol, outras vezes avio o da tensão. Não é como se quer, é como se pode.

Vejo agora que me alonguei nesta grande confusão. Desculpe qualquer coisinha e obrigada pela atenção. É assim a vida de uma reformada, ensimesmada, para aqui sentada neste banco do jardim.
Maria"

2 comentários:

José Lopes disse...

Apetece dizer para não complicar muito as mentes pouco esclarecidas. Basta dizer que os tempos estão maus para os pobres e que os ricos estão ainda melhor do que no "intigamente". Não vale a pena maçar os neurónios, porque isto é mesmo assim, até que ....
Cumps

A. João Soares disse...

Mas isto só muda se for martelado persistentemente nas mentes mais descuidadas. «Água mole em pedra dura tanto bate até que fura», «De vagar se vai ao longe», «Grão a grão enche a galinha o papo». A sabedoria popular manda que se seja persistente!
Abraço