sexta-feira, 6 de junho de 2008

Patriotismo futeboleiro

Transcrição de post do blog Arsénio Mota

Uma louca vertigem varre o país de lés a lés e, dia após dia, embrulha-o numa onda asfixiante. Televisão, jornais e rádios esbracejam em frenética diligência até à geral sufocação; empresas gritam o apoio tão magnânimo que concedem anunciando-o através das tubas da sua fama, e todos, todinhos no povo raso e mais alguns, não querem ficar-lhes atrás. Rezam mesmo pela vitória dos novos messias que se preparam para salvar a pátria.

Andamos bem informados. Sabemos a cada momento onde eles, os novos messias, estacionam, vemos os seus alojamentos, o cozinheiro explica-nos o que lhe dá a comer, depois o seleccionador, o empresário, o amigo do lado, o médico, o jornalista que está lá a ver no meio do grupo de mirones, torna a explicar coisa nenhuma, e sabemos dos treinos, e dos programas, e das peripécias, e de tudo o mais, e etc., sem esquecer o sensacional caso da formiguinha coxa e de outras niquices em desfile interminável.

No campo de futebol temos o modelo perfeito da sociedade capitalista. Vence ali a força competitiva do dinheiro mais musculado. Educativo até à corrupção das regras.
Aos novos messias, grandes atletas, está garantida uma segurança que nem todos os chefes de Estado com menos de cinco estrelas usufruem. Valem uma carrada de milhões, é claro. São deuses! Esperamos deles o milagre redentor nosso.

E não se vê ninguém a perguntar de onde sai o dinheiro que paga aquela equipa mais os técnicos e quantos a servem, aquela factura toda. Ninguém pára a perguntar-se quanto custa um golo, isto é, por quanto fica cada um metido na baliza dos «outros» e quantos, entre nós, terão de pagá-lo ou já o pagaram. E ninguém parece duvidar que o pé que chutou aquela bola para a baliza tem mérito afirmado para valer, a partir desse momento, mais uns quantos milhões. E o ceguinho ainda menos vai perceber algum dia que quanto mais gente massificada estiver de olhos postos nos espectáculos desportivos, mais os futebolistas vão valer no mercado dos jogadores (tal como os actores do cinema ou da televisão ganham conforme as suas audiências).

Teremos de concordar com os orquestradores de serviço nesta campanha embrutecedora. É preciso convencer o povo de que aqueles novos messias vão salvar a pátria. Basta a vitoriazinha, um golo certeiro. Instalemos portanto no país um patriotismo futeboleiro (depois de alterarmos as feições do sentimento patriótico): na era da «globalização» temos empresas, temos privatizações, não resta mais «país», «nação».

Que portugueses se preocupam agora, nesta asfixia, com o derradeiro escândalo nacional? Com a situação dos sistemas da Justiça, da Educação, da Saúde, reconhcidamente essenciais ao Estado democrático? Quem vai perguntar se a Polícia Judiciária, por exemplo, tem reais meios para operar contra os grandes piratas modernos? Alguém irá erguer a voz e perguntar se a pátria tem viabilidade económica ou se estará a afundar-se enquanto prossegue este baile?

Ora! Esperemos o milagre. Basta um golo certeiro e a vitória será nossa. E a pátria será salva! Viva o patriotismo da bola, de bandeiras ao vento nas janelas e nas varandas! Viva!
Publicada por Arsénio Mota

NOTA: Nada acontece por acaso. Algo há por detrás disto para que toda a Comunicação Social, serviços e instituições públicas aproveitam esta oportunidade de alienação das massas chegando ao ponto de permitem a paragem de actividade para se verem os relatos dos jogos.
É a preparação e manutenção do «coma induzido» em que pretendem colocar o povo. O embrutecimento dos cérebros da população é benéfico para a imposição, sem resistência, de medidas dominadoras próprias de regimes totalitários. Hitler pretendeu transformar a sociedade num pequeno grupo de pensantes e transformar a grande maioria em animais com músculo para trabalhar e com um mínimo de matéria cinzenta que lhe permitisse apenas obedecer sem refilar. Agora, com a engenharia genética e com o controlo central da Comunicação Social, esse objectivo é mais fácil de atingir.
O futebol é um meio útil para esse fim e ei-lo no seu melhor para satisfação dos detentores do Poder.

7 comentários:

Mariazita disse...

Meu caro João
Não sei se notou que tenho brilhado pela ausência...
Estou com um pequeno problema de saúde, nada de grave, mas o bastante para condicionar o meu tempo no computador.
"Cumpro calensdário" no meu blog e pouco mais (o pouco mais compreende vir "aqui" todos os dias...)
Não posso deixar de dizer um grande APOIADO! a este post.
Gostaria de acrescentar umas alfinetadas, mas de momento não estou muito capaz para o fazer.
Não faltarão oprtunidades nem motivos, infelizmente.
Um bom fim de semana
Beijinhos
Mariazita

ANTONIO DELGADO disse...

É insuportavél ver a televisão ( qualquer uma) devido ao futebol. Quando não são jogos, é publicidade sobre futebol. Quando não é isto é falar de futebol. Se não são jogos directos são em reprise tudo isto num processo que em termos televisivos já parece de cassete: Os jornais não estão melhor! O futebol domina e o pais abrasileirou-se...Talvez os nossos governantes pensem que assim é melhor. Porque futebolizando as mentes com este futebolismo, esquece-se a fome que graça em Portugal, a miseria instalada, a pobreza e a corrupação que minam a sociedade em todos os seus sectores e que qualquer governo que se alterne, parece pactuar ...Viva o Portugal dos (tres) FFF.

Um abraço António Delgado

A. João Soares disse...

Cara Amiga Mariazita,
Muito obrigado pela visita, apesar da sua saúde. Desejo rápidas melhoras.
E não se preocupe com alfinetadas. Pela minha parte apenas quero sugerir melhores medidas, mais coerência e visão para o futuro mais realista de que resultem decisões mais eficazes e concretizáveis de forma sustentada.
Admiro a sua regularidade no calendário de A casa da Mariazita, que visito regularmente, embora nem sempre deixe comentário. Está com um óptimo nível técnico e de conteúdo. Os meus parabéns.
Bom fim-de-semana, Beijos
João

Anónimo disse...

Já deixei um post de apreço ao autor do artigo, mas não podia deixar de comentar a sua "nota", João :)Essa referência ao controlo programado das massas e ao seu embrutecimento deu-me que pensar;) Já vi disso em qualquer lado. Não tenho é tempo agora... ;)
Manuela

A. João Soares disse...

Querida Manuela,
A sua simpatia, não pode ficar sem a minha colaboração possível. Já referi aqui várias vezes um livro de que encontra título, autor e editor, num ou mais dos seguintes posts
- Videovigilância é segurança ou ameaça?
- Futuro com graves ameaças à liberdade
- A Comissão Trilateral

Aqui já deve encontrar bastante informação mas, se tiver dificuldade em obter o que deseja, diga e procurarei mais.
Beijos e bom fim-de-semana
João

Compadre Alentejano disse...

Enquanto se falar em futebol, não se fala em política, isto é, não falamos naquilo que o governo deveria ter feito e não fez.
Quero que a selecção ganhe e, ponto final.
Se perder, nada perco, pois nada tenho lá empatado...
A trilogia é a mesma que antes de 74: futebol, fátima e fados.
Um abraço
Compadre Alentejano

A. João Soares disse...

Caro Compadre,
Sobre isto nem pode haver outra opinião. Seria bom que Portugal sobressaísse na comunidade internacional por algo de válido, nas exportações, nas artes, nas ciências, nas tecnologias. Mas o futebol é coisa menor comparada com os grandes problemas que apoquentam os portugueses. Há medo. E o poder, que é semelhante ao do Estado Novo - os políticos são todos vulneráveis à tentação do autoritarismo - usa a mesma trilogia.
Um abraço
João