segunda-feira, 2 de junho de 2008

Pescadores contra cidadãos inocentes

Os pescadores, tal como os táxis, os transportadores de pessoas e mercadorias, os particulares com carros, todos estão a sofrer directamente as consequências dos aumentos sucessivos do preço dos combustíveis. É uma realidade com que é preciso saber lidar.

Penso ser uma norma indiscutível da actividade empresarial que o preço dos seus produtos acabados é calculado com base nos custos dos factores de produção, em que as matérias-primas e a energia estão incluídas. Sendo assim, se um desses factores encarece, vai ocasionar o aumento do preço do produto final. Se esse cálculo não for feito dessa forma, a empresa não pode aguentar muito tempo os prejuízos continuados, terá de encerrar e mandar o pessoal para o desemprego.

Será lógico que a bandeirada do táxi aumente, que os bilhetes de autocarro aumentem, bem como o preço do peixe. O cliente, se não encontrar alternativas mais em conta para os produtos de que necessita, tem de aceitar esses aumentos.

Tudo isto me parece lógico. Mas os pescadores e armadores, em vez de agirem com inteligência estão a transformar-se em malfeitores, a praticar vandalismo, lançando para o lixo peixe fresco que havia na lota, quando há no País gente com fome. Se eles não têm respeito por tal produto alimentar, a população em geral tem, e acha mal que eles o destruam. Também não é justo que impeçam a população de comer peixe, venha da Espanha ou de qualquer outro País. Eles não têm o direito de impedir que o povo se alimente e que procure alternativas para o peixe que eles se negam a pescar. Estão profundamente errados e são desumanos quando pretendem «provocar uma escassez de peixe nos mercados para venda ao consumidor final».

Então qual deve ser a sua atitude perante os custos do combustível? Aquela que atrás ficou explicado para a generalidade das empresas e devendo pesquisar alternativas para tornar a sua actividade mais económica e propondo medidas mais racionais de distribuição e comercialização do peixe por forma a não o encarecer demasiado ao consumidos final.

Alguém disse na TV que o preço de venda ao consumidor é éne vezes o da venda pelo pescador, em virtude haver múltiplos intermediários a obter lucros exponenciais. Ora, uma medida que os pescadores devem propor é a venda através de circuitos mais curtos com menor número de intermediários. Até podem organizar empresas de transporte directo da lota aos mercados e peixarias, ficando eles com o lucro que está a ser disseminado pela extensa cadeia de distribuição.

Uma crise, quando bem aproveitada, pode originar o saneamento de circuitos injustificadamente extensos, que se traduzem em exploração do produtor, por um lado, e do consumidor final, por outro. A solução apresentada seria uma prova de inteligência e daria benefício aos pescadores e armadores, ao contrário do vandalismo que se traduz em fazer mal aos consumidores, em geral, sem daí colherem benefício. Atrair os ódios de gente humilde e desprotegida, como é a maioria do povo, não é e nunca será um bom caminho para resolver problemas de que este bom povo não é culpado.

11 comentários:

Anónimo disse...

Inteiramente de acordo com as ideias aqui expostas. Mas, infelizmente, há que perceber o que venho dizendo há algum tempo - Que quem semeia ventos colhe tempestades - e é isso que os nosssos "desgovernantes" vêm fazendo neste últimos tempos. Se estudassem os cicuítos de abastecimento dos produtos e promovessem à sua racionalização conseguiam-se ganhos que poderiam evitar este tipo de manifestações. Mas como só pensam em solucionar os problemas através de cada vez mais impostos é difícil evitar estas reacções.

A. João Soares disse...

Compreendo o teu ponto de vista, mas é de lamentar que o povo que sofre os abusos de autoridade do Poder, acaba também por ser a maior vítima do descontentamento dos trabalhadores de vários sectores. Uma greve não afecta o Poder mas sim o povo que não tem culpa daquilo que se passa.
Se tivéssemos políticos inteligentes e dedicados ao povo que os elegeu, se exercessem a Politica com P maiúsculo, prevendo decidindo e planeando, com precisão no sentido do bem publico, não haveria descontentamento do povo e os problemas seriam resolvidos sem raiva, sem exaltação.
Mas, como dizes, quem semeia ventos colhe tempestades.
Abraço
João

anamarta disse...

Caro João
No essencial estou de acordo com o que é escrito neste post, quando há tanta gente com fome, os pescadores não deveriam deitar o peixe fora, poderiam seguir o exemplo dos franceses que o distribuíram à população, ou entregarem-no a institutições de solidariedade. Mas o maior culpado desta situação é o (des)governo que nós temos. Penso que as situações deste tipo a continuarem as coisas assim ainda se vão agudizar mais. Sinceramente não imagino onde isto vai parar!
Um abraço

Anónimo disse...

Mas… não estão apenas a seguir o exemplo da ASAE nas instituições de solidariedade??? Se esta pode deitar fora donativos em comidas caseiras, impedindo aqueles que aí recorrem de tomar a única refeição decente do dia, é porque estão dentro da lei.
Os pescadores e armadores também terão as suas razões. Nunca ouvi ninguém queixar-se quando está bem. E há muito tempo que estão mal! São os circuitos de distribuição que poderiam ser alterados e o número de intermediários reduzido? É possível que sim. Não seria esta uma decisão a tomar pelos nossos governantes? A verdade é que o próprio ministro responsável “foge” de qualquer encontro, de uma simples explicação ou, mesmo, de uma sugestão no sentido de resolver e não de punir , e só porque há leis comunitárias a cumprir? Mas o povo está aqui, bem mais perto e, pelo que tenho visto, para ele ninguém tem olhado, nem cumprido o que lhe prometeu: defender os interesses do país e do seu povo.
Desculpe se não concordo inteiramente com a sua posição contra uma greve que prejudica o consumidor ou utente, seja em que sentido for. Esse direito à greve (até quando?) acaba por ser o recurso utilizado para chamar a atenção, porque, precisamente, atinge os interessados e são estes que vão refilar contra quem dita leis, decretos e papéis sem pensar nas consequências, ou seja, afecta o Poder. Não sou a favor de atitudes demasiado radicais que podem fazer desencadear consequências imprevisíveis, mas sinto-me atingida por esta greve, gosto de peixe e, por isso, também vou refilar. É que não sei pescar :-( e, além disso, ainda era multada…
Manuela (prometo tentar ser mais breve nestes comentários)

A. João Soares disse...

Cara Ana Marta,
O exemplo francês que cita é prova de que se trata de um País de gente mais evoluída civicamente do que os nossos concidadãos.
Parece ser uma doença incurável a incapacidade da generalidade das pessoas e, principalmente dos políticos conseguirem encarar os grandes problemas com serenidade e sensatez, com base em antecedentes, realidade actual e perspectivas de futuro. Há o vício de ir ao estrangeiro buscar soluções, muitas vezes já postas de lado, e colá-las como um mau remendo sem fazerem as adaptações convenientes. Não há o senso de imitar os bons exemplos das melhores soluções já comprovadas e ajustáveis à nossa situação. Já tivemos medidas muito correctas, no passado, que interessaria analisar e adaptar à actualidade.
As actuações dos governantes deixa muitas dúvidas sobre a sua preparação teórica para encarar os grandes problemas de gestão. Também é notória a falta de preparação para o trabalho eficaz em equipa e a respectiva direcção.
A piorar tudo, há a arrogância do governo que, perante situações graves, como esta crise do petróleo, recusam o diálogo e, em vez de analisar a sério o problema, limitam-se a slogans mal pensados que acirram a irritação dos cidadãos que mais sentem as más consequências das más medidas ou da ausência de boas decisões.
Eu gostava de ter esperança de uma melhoria na gestão da causa pública e que os governantes se convencessem que governar é melhorar as condições de vida dos cidadãos.

Abraço
João

A. João Soares disse...

Cara Manuela,
Não tenha receio de ser extensa. As ideias nem sempre podem ficar bem esclarecidas com poucas palavras. Não acho que a Manuela escreva muito, mas sim que nos ensina muito que nos transmite muitas ideias, de forma clara, que se lêem com agrado.
A referência à ASAE vem a propósito. Os organismos do Estado, pela sua visibilidade, têm a obrigação de ter um comportamento impecável, por servirem de exemplo ao País. Os excessos da ASAE, ofensivos das pessoas carentes, com fome, foram agora impensadamente seguidos pelos pescadores. Mas há muitos maus exemplos de políticos que se consideram acima das leis.
O direito à greve não é discutível, mas a sua utilização devia ser mais ponderada, porque acaba por ser nociva para os interesses de quem devia beneficiar com as actividades que param. Quem sofre sempre não são os que têm culpas no problema mas sim o pobre povo que é sempre o pião das nicas. Os trabalhadores deviam utilizar outras formas de luta para dar visibilidade à sua indignação, mas evitando danos nos interesses dos mais desprotegidos.
Esta crise, que vem de fora, deveria ter sido encarada logo, com a busca de soluções, de alternativas de alterações de sistemas de funcionamento, nos vários sectores afectados. Uma crise é sempre um bom motivo para se aperfeiçoar o funcionamento de muitas actividades. Veja o que o mundo avançou com a segunda guerra mundial. Para esse avanço, é preciso dar voz às pessoas mais válidas, com capacidade inovadora, ideias, capacidade de gestão de projectos, enfim, um conjunto de qualidades desconhecidas pelos nossos políticos.

Um abraço
João

Arsenio Mota disse...

Caro A. João Soares, caros amigos:
Todos estaremos de acordo no essencial, sim, mas... reconheçamos: o desespero de quem trabalha e sente na pele os problemas... depois o recurso à greve... tudo isso, acho que merece um pouco da nossa compreensão e até alguma simpatia. Engano-me?
Depois há a questão da «crise que vem de fora», conforme bem diz A. João Soares. Nesse ponto talvez valha a pena ouvir quem lembra a baixa cotação do dólar, a produção petrolífera sem quebra de quantidade, mesmo a quebra dos consumos dos combustíveis... Então os preços dos barris do «ouro negro» subiram por aí acima?... e agora até estão em queda!... Como entender tudo isto senão à luz de um sistema capitalista mundial cada mais devorador, mais avesso à regulação? E porquê, em Portugal, tanto intermediarismo (lembro a luta que lhe fez António Sérgio)?
Enfim, eis um debate de opiniões útil e estimulante! E dialoguemos!
Aquele abraço.

A. João Soares disse...

Caro Arsénio,
Bons pontos para reflexão. Seria bom que os entendidos deixassem aqui mais uns esclarecimentos para ajudarem a aprofundar o tema.
Um abraço
João

Anónimo disse...

E da discussão nasce a luz!:)
Prevejo que daqui a uns anos, todos os bloguistas serão considerados como a “geração iluminista”do século XXI, aquela que fez renascer um movimento propagador da luz e do conhecimento. :)
E..aqui estou eu, lançada em mais comparações, desculpem-me aqueles que pensavam e que gostariam de ser únicos ou originais, mas a História, mais uma vez,penso que está a pregar-nos uma partida…
É que para os iluministas do séc. XVIII, o grande objectivo era a busca da felicidade,através da luta contra a injustiça da concentração de privilégios nas mãos de apenas alguns, contra uma sociedade submissa e fanática que tornava o homem ignorante. Daí, algo necessitava de ser mudado: a sua educação, ou melhor, a capacidade do homem pensar por si próprio. Como qualquer um destes âmbitos actualmente tem merecido críticas, concluo que quem não lê ou leu blogues irá, um dia, ser comparado àqueles que viviam ainda nas “trevas da ignorância”.:)
Não foi o chamado “século das luzes” que, com a Revolução Industrial, abriu caminho para a grande mudança que culminou na Revolução Francesa?
Afinal, iluministas bloguistas já há em número considerável, (muitos mais do que numa época em que nem se sabia o que era um pc), uma nova Revolução industrial se não começou já, não anda longe, e… só falta uma 2ª Revolução tipo da francesa, plena de ideais! Mas, também ela, se não está a germinar, está à espera da sua melhor oportunidade. Com que consequências? Isso não sei…só espero que não meta guilhotinas esferrujadas…
O grande precursor iluminista, o tal René “Dés Cartes”, nome que a minha professora odiava ouvir-me pronunciar, disse que para se chegar à verdade, se devia duvidar de tudo, mesmo das coisas aparentemente verdadeiras.
Afinal, não é o que fazemos aqui? Questionamos a sociedade, a política ou até a economia, acreditamos que o ser humano tem direito à vida e à liberdade, criticamos o absolutismo governativo, o mercantilismo e os privilégios de apenas alguns, defendemos a liberdade política e a igualdade de todos perante a lei….
É claro que, na época, algo ou alguém que divulgasse ideias iluministas era imediatamente castigado. O “pobre” do Rousseau foi perseguido várias vezes só porque defendia uma sociedade mais justa e igualitária….Será da família esse “perseguidor” que tem andado a fazer das suas nos blogs?
João, já sei que vai dizer que misturei tudo,mas não consegui separar os dois posts e não sabia para onde enviar este :)
Manuela

A. João Soares disse...

Manuela,
Alguém disse, salvo erro ao relatar um desafio de futebol, «disto é que o meu povo gosta». É de doutos comentários como este que um bloguista gosta. Assim nasce a luz, uma iluminista de mão cheia!.Desta vez, nem espero pelo seu consentimento, vou colocar em post este belo texto, rico de sabedoria.
Beijos
João

A. João Soares disse...

Sobre o aumento do preço do peixe desde o pescador até ao nosso prato, convém ler:
Sardinha sobe 17 vezes de preço entre a lota e o prato
http://dn.sapo.pt/2008/06/06/dnbolsa/sardinha_sobe_vezes_preco_entre_a_lo.html

É urgente, moral e justo rever estes circuitos comerciais.
A. João Soares