terça-feira, 12 de agosto de 2008

Leis exageradas tornam-se inúteis

Apesar da fúria legislativa obsessiva, a sinistralidade rodoviária mantém-se a um nível escandalosamente alto, embora com pequenas variações para cima e para baixo. Para que serve tanta legislação criada e alterada com a visível preocupação de dificultar cada vez mais a vida dos condutores cumpridores? Sou do tempo em que os carros eram muito menos seguros e menos rápidos na travagem e em que a velocidade permitida nos centros urbanos, com ruas estreitas chegava aos 60Km/h, enquanto hoje, com os carros muito mais seguros há vastas zonas urbanas de largas avenidas com a limitação de 40Km/h e estão a nascer como cogumelos troços com limitação de 30Km/h. Parece obra dos «malucos do riso». Há quem diga que quem decide a localização dos sinais é uma equipa municipal e, quando o motorista diz que ali é perigoso ir a mais de 100, o chefe manda instalar um sinal de 40 e, se mais tarde ali há um acidente, manda substituir por um de 30. É uma explicação muito verosímil e demonstrada pela observação dos locais. Apesar de tanta restrição, há carros potentes que, impunemente, «abrem» nas cidades como se estivessem a circular em autódromo.

Perto de minha casa há uma rotunda cuja placa central, em terra elevada e relvada tem sido frequentemente «rasgada» pelos rodados de carros que logo à frente esvaziam o óleo do cárter espatifado e, por vezes destroem o muro do jardim da moradia da esquina.

Mas, apesar dessa inutilidade das leis elaborada à pressão, o legislador não medita neste fenómeno e, ilogicamente, continua com a obsessão de fazer mais obra. Cai uma avioneta por distracção e manobra errada do piloto e a reacção do Poder promete mais uma lei para evitar isto. Mas evitar como? Apareceu também uma lei sobre o controlo de armas, ocupando cerca de 10 páginas do DR, a qual apenas será cumprida pelas pessoas bem comportadinhas, pois aquelas que costumam usá-las para assaltar e roubar não se dão ao cuidado de a folhear. Alguém se convence que, pelo facto de existir essa lei tão perfeitinha que só falta referir o garfo de mesa como uma perigosa arma branca, estamos agora menos arriscados a ser roubados e agredidos na rua, no carro ou em casa sob a mira de uma arma? Alguém está convencido de que pelo facto de a lei entrar em vigor, os cidadãos passarão a viver mais seguros? A mesma pergunta se pode fazer quanto à queda de avionetas, enquanto que a inutilidade dos sucessivos agravamentos do código da estrada já é do conhecimento público.

Efectivamente, o País não funciona mal por falta de leis, mas ninguém parece preocupar-se seriamente em estudar o diagnóstico e em aplicar a melhor terapia. E tudo vai continuando na mesma, quando não piora, porque o hábito arreigado de desrespeitar as leis não augura um futuro salutar.

Publicada por A. João Soares em 10 de Setembro de 2006 em «A Voz do Povo»

6 comentários:

José Lopes disse...

Leis há, o que falta é civismo.
Cumps

A. João Soares disse...

Caro Guardião,
A profusão de eis, extensas e muito pormenorizadas, faz que ninguém as leia e lhes dê importância. São inúteis, até porque a maioria carece de regulamentação e esta não aparece.
Há um problema que começa a ser preocupante e os políticos parem mais uma lei e vão dormir descansados com a consciência tranquila. Mas o problema continua. Como acontece com o código das estradas, com a lei das armas, etc.
Há leia a mais e civismo a menos, em todos os sectores.
Abraço
João

Anónimo disse...

Falta civismo e não é pouco! Mas se não conseguimos educar as pessoas, então tenham o bom senso de fazer leis práticas e simples.
E mão pesada, mas a sério, não mão pesada para fabricar leis que só servem para angariar receitas! Dói muito mais ficar 3 meses sem poder conduzir, ou ter que tirar outra vez a carta, que pagar 500 euros de multa.

A. João Soares disse...

Caro AP,
É difícil descortinar o que se passa dentro do crânio dos governantes e deputados. Por vezes as novas leis não são propriamente feitas para aumentar as receitas, embora acabem por ter esse efeito e o de complicar a vida ás pessoas. Parece que a finalidade é satisfazer o seu desejo de fazer qualquer coisa, mesmo que tudo fique na mesma. Fazem uma lei e vão dormir mais descansados!
Vejamos: Na segurança rodoviária não têm conseguido reduzir visivelmente a sinistralidade, apesar de quase todos os anos terem incluído alterações agravando as multas e tornando a vida mais difícil. Quanto à sinistralidade fizeram a lei do controlo das armas, mas parece que o resultado está a ser o contrário do pretendido. A Justiça não foi melhorada, o Ensino também não, a Saúde é o que se vê.
Às vezes chego a sugerir (com alguma ironia) que, à semelhança do contrato do Scolari, se contrate uma pequena equipa de gestores estrangeiros, para virem cá tomar as rédeas do Governo durante 4 anos. Eles que seleccionem os portugueses que pretendem ao seu lado e que depois desse estágio ficarão melhor preparados do que os actuais e os anteriores, para governarem. Entretanto os partidos ficarão suspensos, em meditação para entrarem em funções mais tarde com os resultados das suas reflexões e acções de formação.
Precisamos de quem queira gerir esta grande casa pensando no bem-estar dos portugueses, que penso dever ser essa a finalidade dos governantes.
Um abraço
João

Anónimo disse...

Já Tacitus (historiador romano, 116 DC)dizia em "Os Anais da Roma Imperial": "Quanto mais corrupto um governo, maior o número de leis!" ehhehe
Manuela

A. João Soares disse...

Cara Manuela,
Cada vez ma admiro mais com o saber dos antigos!!! Agora que há computadores, que já se foi à Lua e já se enviou uma sonda a Marte, nada se melhorou no conhecimento das pessoas e nas instituições em que se integram.
Beijos
João