quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Ciência económica ultrapassada pela realidade

Não resisto à tentação de transcrever para aqui um artigo de opinião do DN que coloca em evidência o facto de os teóricos criarem fantasias irreais, isoladas daquilo que acontece no terreno, ao ponto de não conseguirem vislumbrar o que se passa, os efeitos dos actos reais, de não saberem como evitar crises e, o que é mais espantoso, depois da crise rebentar, serem incapazes de explicar o que ocorreu e concluírem como evitar novos casos. Parece que o mundo está perante excesso de teorias balofas, incompetências, arrogâncias, desleixos, incapacidades, superabundância de palavras vazias. Quem nos poderá salvar do Apocalipse? Em quem podemos acreditar?

A 'salvação' do capitalismo

Pedro Lomba, Jurista - pedro.lomba@eui.eu

Há aquele conto de Tchekhov sobre a mulher que tinha deixado de ter opiniões. Qualquer coisa, podia ser a chuva ou um significado, e ela nada, já não tinha nada. Apática, esquecera tudo. Pois bem. Estava a crise financeira a disparar na América e os astrólogos a anunciarem que a bolha ia chegar à Europa, quando eu fui procurar opiniões. Aquilo que os simples não apreendem, os especialistas ensinam. Baseado neste princípio, atirei-me em busca de informação sobre a crise financeira.

Umas horas de leitura mostraram-me a incerteza dramática que rodeava os especialistas. Eles não sabiam muito bem. Eles não sabiam reconhecer sequer todas as zonas dos mercados de capitais que os afectavam. "Liquidity puts" - quem é que já ouviu falar nisto? Eu não. Um executivo do Citigroup entrevistado para a New Yorker, também não, embora o banco estivesse exposto aos efeitos. E economistas de topo do Lehman Brothers, o mítico banco de investimento que faliu há dias, também confessavam que muitos contratos financeiros que estavam a fazer estragos no mercado, eram-lhes desconhecidos. De súbito, as instituições financeiras passaram a defrontar-se com um mercado complexo que não conheciam integralmente e cujos riscos não sabiam avaliar. Por isso, não tinham opiniões seguras.

Os ideólogos de serviço, que sempre aparecem nas crises só para poderem dizer - vêem como eu tinha razão - aproveitam para aquilo de que gostam mais: a distribuição de culpas. Mas também hesitam: o problema é do capitalismo financeiro global que mostrou aqui a sua face, obrigando a Reserva Federal Americana a duas intervenções drásticas: o resgate do Bear Sterns e, ontem, o controlo da seguradora AIG; dos bancos centrais que baixaram os juros para estimular o mercado imobiliário; dos bancos e instituições financeiras que, operando por sua conta e risco, apostaram na expansão do mercado imobiliário para facilitar o crédito; dos compradores que se entusiasmaram perigosamente e se endividaram para além do que podiam pagar.

Teorias da crise há para todos os gostos, umas contra os mercados, outras contra os consumidores, os bancos ou as autoridades reguladoras. Mas aqui surge, no entanto, uma dúvida: a actual crise financeira não é uma crise em que intervieram todos estes agentes, uns por acção, outros por omissão? Não é uma crise em que todos decidiram erradamente na mesma direcção, criando uma espiral de confiança fictícia?

Se é como de facto é, perceber esta crise implica perceber porque é que esta avalanche aconteceu e o que é que no futuro a pode evitar. Só não culpemos o capitalismo. O capitalismo sempre foi uma extraordinária máquina inventiva. Cresce, corrige-se e adapta-se. O pior agora é querermos salvar o capitalismo do capitalismo.

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