quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Chefes militares «a meio da ponte»

A indecisão na escolha entre as hipóteses possíveis tolhe quem tem de tomar uma posição bem definida em tempo útil, sem possuir o domínio de todas as vantagens e inconvenientes das várias alternativas. Muitas vezes, acaba por o mais importante não ser a solução mas o caminho do raciocínio que a ela conduz.

O seguinte artigo do DN aponta para a necessidade de os chefes militares se encherem de coragem e demonstrarem ao povo e ao Governo que entre os militares e os funcionários públicos há diferenças abissais quanto ao risco inerente à sua missão, quanto à necessidade de disponibilidade permanente, à aprendizagem contínua, à motivação inquebrantável e à indefectível dedicação à Pátria (que é perene e não coincide com os seus representantes). Tudo isto se traduz, em restrições no uso dos direitos, liberdades e garantias constitucionais, não aplicáveis a qualquer servidor do Estado, e a que devem corresponder compensações, de vária ordem que, aliás, lhes eram legítima e moralmente atribuídas mas que, recentemente lhes foram subtraídas por governos iníquos. «Mal com os homens por amor de el-rei e mal com el-rei por amor dos homens», os chefes militares, estáo metidos entre a espoliação pelo Governo e as pressões dos subordinados que representam e devem defender, como diz o título ao artigo, num colete de forças, ou no meio da ponte.

Chefes militares metidos num colete-de-forças

Artigo de Manuel Carlos Freire, no DN de 06 de Novembro

Defesa. Polémica entrevista de Loureiro dos Santos à TSF foi há uma semana
A polémica criada há uma semana pelas declarações do general Loureiro dos Santos, alertando o poder político para as consequências de não resolver os problemas existentes, fragilizou um pouco mais a posição dos chefes das Forças Armadas.

Esse entendimento é partilhado por diferentes fontes militares ouvidas pelo DN, tanto no activo como na reserva e reforma. As declarações feitas ontem à Lusa pelo presidente da Associação 25 de Abril, coronel Vasco Lourenço, reforçam essa percepção: as chefias "não fazem sentir as necessidades" dos militares à tutela e "têm uma atitude mais politicamente correcta do que outra coisa", os militares foram "habituados a que os chefes militares defendessem os interesses, quer da instituição quer dos militares enquanto cidadãos".

Subjacente a estas afirmações daquele capitão de Abril e de vários outros militares está o entendimento de que os chefes deveriam demitir-se, face ao silêncio do poder político, e que os escolhidos para os substituir rejeitassem o convite - criando um vazio que forçaria o Governo a resolver os problemas, a exemplo do que ocorreu em França há alguns anos.

A verdade é que a situação das chefias se assemelha a um colete-de-forças: por um lado, a resolução dos problemas é da responsabilidade exclusiva do poder político, por outro "não podem dizer aos seus homens o que fazem [para persuadir a tutela] porque, se o fizessem para todas as 'casernas', no minuto seguinte havia um jornalista a receber um email com essa informação e lá estava o chefe à perna com o ministro", frisou um oficial na reserva.

Não se demitindo, resta aos chefes ouvir o ministro e o secretário de Estado da Defesa dizerem que desconhecem qualquer "mal-estar generalizado" nas fileiras - e assistir às sucessivas manifestações mais ou menos públicas de protesto das fileiras. "Cada vez que as associações adquirem protagonismo, é inevitável que passe a imagem que os chefes nada fazem", reconheceu aquele oficial, um dos que contesta a existência dessas estruturas representativas. Mas "a triste realidade é que a 'rua' tem força para lidar com estes políticos. E também se deve à 'rua' algumas medidas positivas para os militares que o poder político tomou, [sem as quais] estávamos bem pior".

Segundo o almirante Reis Rodrigues (reforma), "o Governo, na sua 'lógica' de olhar para os militares como funcionários públicos, parece não ver qualquer inconveniente nessas manifestações e nem sequer presta atenção a esses acontecimentos". Mas se o ministro da Defesa parece dar-lhe razão, ao dizer que desconhece o "mal-estar generalizado" nas fileiras, um general na reforma aponta "dois erros" à tutela: "Primeiro não ouvem os chefes, depois minam-nos ao responder aos gritos das associações e não através dos chefes, fartos de alertar o poder político" para resolver os problemas.

Face à ausência de respostas da tutela, há também quem veja, na repetida afirmação do ministro de que está "a trabalhar em conjunto com os chefes", uma "tentativa de os transformar no alvo do desagrado dos militares". Ora, a crítica crescente às chefias parece apoiar a teoria, sabendo-se que, em política, o que parece é.

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