quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Democracia e não só…

Esta análise, muito interessante e pormenorizada, embora se possa discordar, em alguns pormenores, o que dará oportunidade a comentários de igual nível, foi-me envida por e-mail pelo meu amigo Dr. João Mateus, já aqui conhecido dos visitantes, por textos de bom nível literário e esclarecida opinião. Para o autor os parabéns pelo trabalho e os agradecimentos por tê-lo oferecido para publicação.

Independentemente do gosto ou desgosto que o facto para cada um de nós possa acarretar, e abstraindo mesmo das simpatias pessoais, legítimas, por esta ou aquela cor, a realidade nua e crua, no tempo em que vivemos, e como vem acontecendo, aliás, desde inícios do século XIX, é que a democracia parlamentar, aquele sistema a que Churchill terá chamado o pior dos regimes…tirando todos os outros, é o único antídoto que se nos oferece contra maleitas como as ditaduras vigentes no Zimbabwe, na Coreia do Norte, no Irão e noutros países sujeitos a governos autocráticos, confessionais ou não, regimes que, aqui ou ali, não deixarão de subsistir, quando mais não seja como situações de ausência de saúde, que são, e até que, algum dia, se atinja o fim da História.

E democracia, no estádio actual da civilização, subsidiário do espírito da Revolução Francesa, de 1789/99, para quem se não lembrar, é a democracia pluripartidária já que, perdida no fundo dos tempos a memória do Estado-Cidade, em que os chefes de família, os cidadãos, reunidos em assembleia, eram os detentores do poder supremo, os partidos políticos, também conhecidos como máquinas de assalto ao poder, se tornaram as únicas forças aptas a arregimentar as populações para a escolha dos seus governantes, numa visão idílica considerados mandatários do povo. E máquinas de assalto ao poder que serão principalmente quando, como vem sendo moda, abandonam as ideologias, caídas em desgraça, mas que eram a única garantia de um mínimo de princípios éticos, republicanos ou não pouco significará, desde que não desmereçam dos das monarquias nórdicas europeias. Porque, perdida a ideologia, se passam eles a definir pela pessoa do seu chefe, caudilho em construção, ou até por um simples ícone no género do burro e do elefante.

Nesta situação, que é aquela que atravessamos, e conhecidos os resultados dos sistemas bi-partidários, sejam mesmo duas só as forças políticas em confronto ou seja o efeito o mesmo pela irrelevância dos demais partidos, resultados esses bem patentes na história da nossa Monarquia Liberal e da nossa Primeira República, o factor mais importante para que se possa viver realmente em democracia, tendo como razão suprema do nosso agir a “res publica”, é a existência de um espectro político equilibrado em que todas as correntes de opinião não anti-sistema tenham realmente uma força política que as possa representar, em que se revejam e que seja facilmente identificável no xadrez político.

E, assim sendo, creio que, entre nós, neste momento, nenhum dos parceiros verdadeiramente em jogo estará a mais em cena. PS., PSD., PCP., CDS/PP., e BE., os que em nome próprio estarão realmente representados no Parlamento, são todos por igual relevantes, são todos por igual necessários, e outros mais o serão por certo, quando mais não seja se nos dermos conta de que, curiosamente, nenhum se confessa de direita….e a direita, democrática, é tão legítima quanta a esquerda….

E aqui reside um ponto da maior relevância. É a insustentabilidade da manutenção no tempo de um quadro em que os partidos, mais semelhantes a personagens de uma “Floresta de Enganos”, sejam tudo menos aquilo que pretendem parecer, em que se colem um rótulo mas tenham uma prática oposta, na ânsia infrene de pescar em todas as águas. Proclamar-se de esquerda, mas encostar-se ao centro, dizer-se social-democrata, mas estar à direita, moderada que seja, afirmar-se do centro, mas perfilar-se à direita pura, são manobras que, para além de despidas de ética, não garantem um sucesso mais que falacioso e conduzem a uma perda de credibilidade do actor e do próprio sistema, que lenta mas inexoravelmente a um desinteresse popular cada vez maior, a uma abstenção crescente e ao definhar de uma consciência política que obstaculize qualquer aventura anti-democrática.

Também, para além dos partidos, o homem não poderá ser esquecido e, ao falar do homem, falo do actor individual da cena política. A ética é essencial, mas um falso moralismo é fonte de todos os perigos. Queixa-se, quem está atento aos acontecimentos, da mistura, diria mesmo da promiscuidade, entre a política e os negócios, e até é verdade que existe. Mas por que nos negamos a ver que os nossos políticos nos lugares mais representativos e mais responsáveis são aflitivamente mal pagos? Será o Chefe do Estado, será um qualquer Ministro menos que um Director, não digo um Administrador, digo um Director de um Banco? E um Presidente de um Supremo Tribunal? E um Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, por exemplo? Quem não se lembra de qual era o vencimento de um Director Geral no Ministério das Finanças requisitado a um Banco em que era um dos Directores e que, podendo optar, optou pelo vencimento de origem, muito superior ao do Chefe do Estado?

Terá isto justificação? Não tem, não tem e não tem….

Quem é escolhido para servir o Estado e aceita fazê-lo deve ser pago em função do serviço que se lhe pede e se lhe exige. Simplesmente, haverá que equacionar quantos Ministros, quantos Secretários de Estado, quantos Deputados ou quantos assessores são necessários para a dimensão do País e depois, haverá que lhes exigir dedicação exclusiva às suas funções e trabalho ao nível das suas remunerações.

Políticos em “part-time”, Deputados que se poderá dizer que o são em regime de avença, que deixam o Parlamento porque têm um julgamento, como advogados, àquela hora, ou que vão de fim de semana mais cedo sob o pretexto de contactos com os eleitores quando sabem que há votações cruciais, é algo de inconcebível.

Se, por exemplo, um Juiz o é em regime de dedicação exclusiva, se um simples Notário, no tempo em que era funcionário público, estava sujeito a esse mesmo regime, salva a excepção para lugares nos meios mais recônditos, será admissível que os Senhores Deputados sejam “biscateiros”? Já imaginaram um Juiz a deixar um julgamento mais prolongado para ir atender um cliente em actividade privada com hora marcada? Pague-se aos Deputados em condições, permita-se a opção por rendimentos profissionais superiores quando os seus méritos justifiquem a sua escolha para o lugar, mas dignifique-se a função e não se queira fazer do Parlamento um lugar de pousio para políticos de reserva, nem dos gabinetes ministeriais, ou até autárquicos, centros de estágio para recém licenciados que certamente ganhariam outro “calo” exercendo uma profissão que os pusesse em contacto com a realidade da vida, com o dia a dia de um povo que até poderiam ficar a conhecer melhor.

E quem sabe se assim não se estaria a conseguir diminuir o número dos que na política só procuram o direito ao título de “Ex-Ministro” para o cartão de visita.
João Mateus

4 comentários:

Anónimo disse...

Mais um bom artigo a enriquecer este Blog. Aqui está mais uma boa "achega" para a resolução dos nossos problemas. Esta análise poderá ter ideias de que possamos discordar nos pormenores mas nas suas linhas gerais nada haverá a dizer em contrário. Parabéns a quem a fez e a ti que a incluiste no blog para nossa reflexão.

A. João Soares disse...

Caro Luís,
Tenho um compromisso com os meus visitantes e principalmente com os que têm a simpatia de deixar um comentário.
NÃO SOU DEPUTADO e, por isso, cumpro os compromissos que voluntariamente assumo, mesmo nada recebendo em troca senão o afecto e a consideração que me dedicam visitando e comentando. Os deputados ofereceram-se, pediram o nosso voto, recebem demasiado pelo pouco que fazem, e acabam por perder a vergonha faltando sistematicamente, até quando a sua presença é controlada e necessária.
Caro Luís, isto é para dizer que assumo que devo oferecer bons textos de reflexão, meus ou de outros que identifico, para que quem me visita não dê por mal empregado o tempo que passa comigo.
Tive imensa sorte em reencontrar o Dr. João Mateus e em ele me mimar com textos de grande interesse.
Pessoas esclarecidas como tu não deixam de se regozijar com isto.
Um abraço
João

Anónimo disse...

Acredita que te considero e respeito muito por este teu trabalho que é árduo e não te dá, por parte dos responsáveis deste País, as correspondentes alegrias de os ver seguir o que por aqui se trata com tanto descernimento. É triste e de certo modo desanimador. mas tu não "baixas a guarda" e com isso consegues aglutinar a "malta" que todos os momentos que pode aqui vem visitar-te e ganhar um pouco do teu ânimo. És responsável pela força que nos dás neste marasmo em que vivemos!

A. João Soares disse...

Caro Amigo Luís,
Muito obrigado por estas tuas palavras e por todo o estímulo que me tens dado. Desejo-te um Feliz Natal e que em 2009 continues com a tua posição positiva perante a vida.
Um abraço
João