sexta-feira, 10 de julho de 2009

Obama e o Irão

Obama enfrenta um desaire iraniano

“Manifestamente, Londres está ansiosa por sair de cena o mais rapidamente possível, e espera que tudo possa voltar ao que era antes com o Irão. Obama tem pela frente um desafio muito mais complexo. Não pode imolar Brown e tem de se aproximar do Irão. O desafio que está diante de Obama não é apenas o regime iraniano não ter vergado, mas o facto de ele ter mostrado uma incrível resistência”.
M K Bhadrakumar* - 06.07.09

Agora, Twitter já pode voltar ao seu plano de suspensão dos seus serviços no Irão e entrar em manutenção. Twitter entra em recessão, satisfeito por ter, provavelmente, envergonhado uma potência regional ressurgente. O governo dos EUA deve um enorme favor a Twitter por ter feito algo onde, nas últimas três décadas, todos os seus restantes estratagemas de guerra e paz fracassaram.

No entanto, as histórias persas têm finais muito compridos. O regime iraniano apresenta todos os sinais de estar a cerrar fileiras e a organizar-se perante o que classificou como uma ameaça existencial ao sistema Vilayat-e faqih (governo do clero). Inclusivamente, se os EUA e a Grã-Bretanha quiserem desistir da sua desagradável altercação com Teerão, o que seria muito sensato e lógico, pode ser que este último não o consinta.

O Supremo Líder, o Ayatola Ali Kamenei, utilizou uma significativa expressão persa para caracterizar os funcionários europeus e estadunidenses, e sublinhou que o chão sobre o qual se pára «suja-se». Inevitavelmente deixou claro que Teerão não esquecerá facilmente as mentiras em catadupa que os EUA, e particularmente a Grã-Bretanha, lançaram nas últimas semanas para manchar o seu crescente prestígio regional. Numa advertência velada, Kamenei afirmou: «Alguns responsáveis europeus e estadunidenses, com as suas observações idiotas sobre o Irão, falam como se os seus próprios problemas (leia-se Iraque e Afeganistão) estivessem todos resolvidos e como se não houvesse outros assuntos para além do Irão».

O Irão teve uma história tortuosa, sobrecarregada com o que o presidente Barack Obama dos EUA lembrou no seu discurso do Cairo: «a tensão foi alimentada pelo colonialismo que negou direitos e oportunidades a muitos muçulmanos, e uma Guerra-Fria em que, amiúde, se utilizavam os países de maioria muçulmana como peões, sem ter em conta as suas próprias aspirações». Ao longo das últimas três décadas, a «linha vermelha» para Teerão foi sempre uma tentativa estrangeira de impor uma mudança de regime. Essa linha foi agora violada.

O establishment iraniano da segurança começou a aprofundar cada vez mais o que na realidade sucedeu.

Gholam Hussein Mohseni Ejehei, o poderoso ministro da inteligência, afirmou que, com base nos dados existentes, houve uma tentativa concertada de incitar os distúrbios por parte de potências mundiais, «incomodadas por um Irão estável e seguro», e conspirações para assassinar dirigentes iranianos.

As afirmações não corroboradas não colhem. Mas nos próximos dias e semanas irão surgir perguntas pouco confortáveis. Há dúvidas sobre a misteriosa morte de Neda Aqa-Soltan. Novamente, nos mortos incluíam-se oito bem treinados milicianos Basiji. Quem os matou? E certamente, quem dirigiu a carga da brigada ligeira?

É uma parte pouco conhecida da história na contagem regressiva até ao golpe anglo-estadunidense em Teerão, em 1953, contra Mohamed Mossadegue, que foi a Agência Central de Inteligência (CIA) quem perdeu o valor do que é justo quando estavam a ser montadas protestos de rua em Teerão – misteriosamente semelhantes aos recentes distúrbios – e foi o posto avançado da inteligência britânica em Chipre, quem coordenou toda a operação, manteve-se firmemente, forçou o ritmo e terminou por criar um facto consumado para Washington.

Em todo o caso, Teerão não larga a Grã-Bretanha – «a mais traiçoeira das potências estrangeiras», para usar as palavras de Kamenei. Dois diplomatas acreditados em Teerão foram expulsos, e quatro empregados iranianos da embaixada britânica continuam detidos para interrogatórios. Tudo isto, apesar das enérgicas declarações de Londres que não intensificou nada nas ruas de Teerão. Uma declaração do Foreign Office em Londres alegou que o que incentiva o primeiro-ministro Gorden Brown é programa nuclear do Irão, e não a sua indignação pelos direitos cívicos ou a morte de inocentes.

Manifestamente, Londres está ansiosa por sair de cena o mais rapidamente possível, e espera que tudo possa voltar ao que era antes com o Irão. Obama tem pela frente um desafio muito mais complexo. Não pode imolar Brown e tem de se aproximar do Irão. O desafio que está diante de Obama não é apenas o regime iraniano não ter vergado, mas o facto de ele ter mostrado uma incrível resistência.

O regime cerra fileiras

Corria o boato que o desconcertante silêncio do ex-presidente Akbar Hashemi Ransajani se devia ao facto de ele estar a conspirar na cidade sagrada de Qom e a questionar o mandato de Kamenei. Não é verdade. Domingo, Rafsanjani tornou pública uma declaração de apoio a Kamenei, ond se nota a inconfundível forma de entendimento:

«Os acontecimentos que ocorreram depois da eleição presidencial foram uma complexa conspiração tramada por elementos suspeitos, com o objectivo de criar uma ruptura entre o povo e os establishment islâmico e levá-lo a perder a sua confiança no sistema [Vilayat-e faqih]. Tais confabulações foram sempre neutralizadas quando o povo vigilante entrou em cena», disse Rafsanjani.

Elogiou Kamenei por alargar a acção do Conselho de Guardiães ao ampliar o prazo durante cinco dias para estudar os temas relacionados com a eleição e eliminar ambiguidades: «Esta valiosa acção do líder para restaurar a confiança das pessoas no processo eleitoral foi real», sublinhou Rafsanjani. Numa reunião aparte, na passada quinta-feira, com uma delegação de membros do Majlis (Parlamento), Rafsanjani disse que o seu afecto a Kamenei é «infinito», que goza de uma estreita ligação com o Supremo Líder e que cumpre plenamente com o Velayat-e faqih.

Sábado, o Conselho de Conveniência, dirigido por Rafsanjani, apelou aos candidatos derrotados a que «respeitassem a lei e que resolvessem os conflitos e as disputas através dos canais legais». Entretanto, quer Moshen Rezai, candidato da oposição e ex-chefe do Corpo de Guardas da Revolucionários Iranianos, quer o ex-presidente do Majlis, Nateq Nouri, o principal pilar da política iraniana, também se reconciliaram.

A realidade é que Mir Hussein Mousavi está isolado. Fazendo orelhas moucas aos reparos de Mousavi, o Conselho de Guardiães ordenou uma recontagem parcial de 10% das urnas de voto, escolhidas aleatoriamente em todo o país, perante as câmaras da televisão estatal. A recontagem confirmou, segunda-feira à tarde, o resultado de 12 de Junho e informou o Ministério do Interior que «o Conselho de Guardiães, depois de examinar os problemas, rejeita todas as queixas recebidas, e aprova a correcção da 10ª eleição presidencial».

A recontagem de 2ª feira mostrou um ligeiro aumento dos votos do presidente Ahmadinejad na província de Kerman. A Mousavi, agora, resta-lhe a pouco segura opção de recorrer à «desobediência civil», mas não o fará – para consternação de comentaristas ocidentais a quem, ao que parece, ele impressionou como o «Gandhi do Irão».

Se o vaticínio era que o presidente do Majlis, Ali Larijani, parecia prometedor como potencial líder dissidente, também prognóstico foi desacreditado. Segunda-feira, quando se dirigia à reunião do comité executivo da Organização da Conferência Islâmica, em Argel, Larijani atacou a política dos EUA por «interferir» nos assuntos internos dos países do Médio Oriente. Aconselhou Obama a abandonar esta política: «essa mudança será benéfica tanto para a região como para os próprios Estados Unidos».

O governo de Obama tem de tomar algumas decisões difíceis. Obama foi obrigado a endurecer a sua posição pelas críticas permanentes e pela pressão montada por redes anti-iranianas e poderosos lobbys ocultos no Congresso dos EUA e na classe política – aparte os círculos do establishment da segurança, que tem contas velhas a saldar com o Teerão mas têm um abominável historial de erradas interpretação das vicissitudes da política iraniana.

A mudança dessa posição monolítica será um processo difícil e politicamente embaraçoso. Ela requer uma enorme habilidade como estadista. O melhor resultado será Washington fazer uma pausa e renovar os seus esforços de aproximação ao Irão, depois de um intervalo decente.

Parece pouco provável que nas próximas semanas tenha lugar um diálogo significativo. Entretanto, mesquinhices como a recusa de visto para a visita a Nova Iorque do vice-presidente iraniano Parviz Davoudi a fim de participar na Conferência das Nações Unidas sobre a crise económica mundial não ajudam até porque Davoudi é um defensor de perspectivas económicas liberais. Também não ajudará a provável decisão dos EUA de continuar pelo caminho das sanções contra o Irão na próxima reunião do G8, em Trieste, Itália, de 8 a 10 de Julho. Em Maio, o Irão ultrapassou a Arábia Saudita como maior exportador de petróleo do Golfo Pérsico.

Em suma, o governo de Obama andou às cegas, depois de um magnífico começo ao encarar frontalmente a situação das relações com o Irão. Como argumenta o conhecido político e comentarista Leslie H Gelb no seu novo livro: «Power Rules: How Common Sense Can RescueAmerican Foreign Policy», Obama tinha uma opção: «utilizar o modelo líbio, através do qual Washington e Tripoli puseram as cartas na mesa e trocaram-nas de forma muito satisfatória».

O Irão fará represálias

O ambiente regional também só pode dar vantagens ao Irão. O Iraque continua num equilíbrio perigoso. O destino dos EUA no Afeganistão vai de uma provável derrota a como evitar uma derrota. A Turquia distanciou-se da posição europeia sobre os recentes acontecimentos no Irão. O Azerbeijão, o Turquemenistão, o Afeganistão e o Paquistão saudaram a vitória de Ahmadinejad. Moscovo acabou por concluir que o regime não estava ameaçado.

A China emerge como «ganhador» absoluto ao avaliar correctamente, desde o primeiro dia, as correntes subjacentes da política revolucionária do Irão. Pequim nunca antes tinha expressado tão abertamente uma inquebrantável solidariedade com o regime iraniano, rejeitando as pressões ocidentais. Nem a Síria, nem o Hezbollah no Líbano e o Hamas em Gaza mostraram qualquer inclinação para se afastarem do Irão.

É verdade que os vínculos da Síria com a Arábia Saudita melhoraram nos últimos seis meses e Damasco saúda as recentes tentativas de aproximação do governo de Obama. Mas longe de adoptar a agenda saudita ou estadunidense para com Teerão, o ministro dos Estrangeiros sírio, Walid al-Moallem, questionou a legitimidade dos protestos de rua em Teerão.

E advertiu quando as ruas de Teerão presenciavam os distúrbios: «Quem apostar na queda do regime iraniano será um perdedor. A revolução islâmica [de 1979] é uma realidade profundamente arreigada no Irão», e a comunidade internacional [leia-se EUA] deve conviver com essa realidade. Do mesmo modo, o êxito de Saad Hariri como recém primeiro-ministro do Líbano – e a estabilidade geral do país – dependerá da sua reconciliação com os rivais aliados da Síria e do Irão.

Tendo em conta todas as circunstâncias, houve uma crise política em Washington. O paradoxo é que o governo de Obama negociará agora com um Kamenei que está no auge do seu poder político das suas duas décadas como supremo líder. Quanto a Ahmadinejad, agora negociará a partir de uma posição de força sem precedentes.

Ahmadinejad não deixou quase nada em aberto para outras interpretações quando declarou em Teerão no sábado: «indubitavelmente, o novo governo do Irão terá uma atitude mais decisiva e firme para com o Ocidente. Desta vez a resposta iraniana será mais dura e mais decisiva» e levará a que o Ocidente lamente a sua «atitude intrometida». Não restam quaisquer dúvidas que Teerão não responderá através do Twitter.

* M K Bhadrakumar foi diplomata de carreira da União Indiana, tendo prestado serviço, entre outros países, na ex-URSS, Alemanha, Paquistão e Turquia.

Este texto foi publicado em www.atimes/Middle_East/KG01Ak03.html em 30 de Junho de 2009.
Tradução de José Paulo Gascão

NOTA: As origens do actual Irão estão no antigo Império Persa, fundado em 539 a.C. por Ciro, O Grande. A invasão árabe, em 635 da nossa era, trouxe consigo a conversão dos seus habitantes ao islamismo. Depois da invasão turca no século XI e dos mongóis no século XIII, recuperou a independência, passou por várias dinastias e no século XIX foi cenário de dis+puta entre o Reino Unido e a Rússia que, em 1906, dividiram o território em áreas de influência, cabendo aos ingleses explorar o petróleo, s~descoberto em 1908. Em 1921 o general Reza Khan derrubou o í~´ultimo sultão Kajar coroando-se Xá em 1926, com o nome de Reza Shah Pahlev. Em 1935, um decreto real mudou o nome do país para Irão. Em Janeiro de 1979 o Xá Mohamed Reza Pahlevi abandonou o país que entrou na procura de novo rumo sob grande influência dos Ayatollas que exercem um forte poder religioso.

1 comentário:

Luis disse...

Caro João,
Estamos em total sintonia tu aqui eu na Tulha, Fizemos um trabalho de casa alertando para este assunto que efectivamente merece toda anossa atenção.
Um abração muito amigo.