sábado, 8 de agosto de 2009

Contribuintes pagam abate de carros

Há dias que ando a magicar neste tema, mas fui ultrapassado por outros assuntos. Hoje apareceu o artigo de Ferreira Fernandes que me fez avançar. Transcrevo-o e no fim exprimo algumas reflexões.

A revolta dos carros para abate
DN. 090808. por Ferreira Fernandes

Ubasute, o lugar onde se abandona a velha mãe, pertence ao folclore japonês. Sobe-se à montanha e deixa-se lá, sozinha, aquela que já não espera nada. Na década de 80, Shohei Imamura fez um belo e celebrado filme sobre essa lenda, A Balada de Narayama. Há ainda um poema doloroso e irónico de uma mãe que, transportada às costas do filho até à montanha de Ubasute, vai deixando parte do seu corpo para que o seu menino saiba o caminho de volta.
Desde ontem, também os donos dos carros a cair da tripeça podem levá-los ao abate (de Ubasute?) e trocá-lo por 1500 euros. A vida tem de ir para a frente e a Associação Automóvel de Portugal (ACAP) aplaude a medida, necessária para combater a crise dos vendedores de automóveis. Mas os velhos Toyotas e outros Fiats são menos fiéis que a velha mãe do poema.

Podem vingar-se, como se descobriu também esta semana na Alemanha. Lá o incentivo é de 2500 euros e tem sido um sucesso (aumentou as vendas de novos em 30%). Mas descobriu-se que mais de 50 mil carros, falsamente dados para abate, foram exportados. O prémio para o abate foi um incentivo para o crime organizado. A falta de compaixão paga-se caro.
Ferreira Fernandes

NOTA: Esta medida que desencaminha muito dinheiro dos impostos pagos pelos contribuintes só produz benefício para a Associação Automóvel de Portugal (ACAP) que, como diz o autor, deve aplaudir a medida. Os vendedores de automóveis regozijam-se. Mas os menos privilegiados pela sorte que trabalham com as mãos sujas de ferrugem, nas muitas oficinas de reparação que existem por todo o País têm que pensar outra vida, porque deixa de haver carros velhos a precisar do seu serviço.

Só há benefício para os grandes grupos de importadores e vendedores de carros novos, enquanto os pequenos reparadores vão para o desemprego, e isto à custa do dinheiro dos contribuintes.

Outro aspecto não menos significativo é o incremento que esta medida dá ao espírito consumista, de desperdício, de ostentação, contrariando a necessidade de uma mentalidade de gestão de todos os recursos que devia nascer desta crise. Isto mostra que o Governo pretende que quando cai um botão da camisa, em vez de pregar o botão, se deve destruir essa peça de roupa e comprar uma nova. Parece que, pelo contrário, a crise devia ter levado as pessoas a pensar conservar o carro enquanto a sua utilização for compensadora e a dar preferência aos transportes colectivos.

Curioso também é que já há carros a mais como se vê na falta de espaço para estacionamento, na quantidade de carros que circulam apenas com o condutor, nas famílias em que há um carro para cada pessoa, ao mesmo tempo que em Portugal não existe indústria nacional de construção de viaturas.

Pergunto: em que medida se pensou nos interesses nacionais, e que objectivo nacional pretendem atingir com tal decisão? Mas há interesse dos políticos em beneficiar os donos da alta finança e das mais fortes empresas.

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