domingo, 6 de agosto de 2017

A PROCURA DA VERDADE



Transcrição do texto publicado por Henrique Neto em O DIABO de 1-08-2017. Merece ser lido atentamente, pensando na realidade nacional.
A procura da verdade

A procura da verdade é uma das mais nobres qualidades humanas, reveladora de um estágio de avanço civilizacional no plano colectivo e de desenvolvimento moral no plano individual. Sendo porventura na actividade científica que a procura da verdade é feita com regras mais sólidas e há mais temo, sabendo-se que a verdade de cada cientista é profundamente escrutinada por muitos outros que têm a competência necessária para o fazer.

Infelizmente, em Portugal, fala-se pouco e valoriza-se muito pouco a procura da verdade e, raramente, existe a cultura de procurar a verdade de forma onde isso é feito sistémica, à parte, como disse, do campo científico onde isso é feito. Pior, é o facto de que nas actividades políticas e informativas se instalou uma cultura propagandística da verdade relativa, ou da verdade possível, por vezes da mentira pura e dura, que tendem a tornar aceitáveis critérios de relativização da verdade, através da criação de um manto mais ou menos diáfano da fantasia.

Algumas das formas mais usadas para iludir a verdade, ou para desmotivar a sua procura, é a de tornar complexos os acontecimentos mais simples e de cercear o acesso à informação necessária para que seja possível chegar à verdade. A técnica de adiar informações e decisões serve, simultaneamente, objectivos múltiplos: o de desencorajar a procura da verdade e o de facilitar o esquecimento, além de permitir que novas notícias, falsas ou verdadeiras não importa, contribuam para desorientar a procura da verdade.

Nos últimos anos, os partidos políticos portugueses e os governos têm vindo a aperfeiçoar este sistema de relativização da verdade e de ilusão da realidade, no que é presentemente um poderoso instrumento de manipulação política, que envolve alguma influência nos meios de comunicação e o trabalho de equipas de intervenção nas modernas redes sociais. O Partido Socialista conseguiu, a partir de José Sócrates, alguma excelência profissional neste domínio, com alguns aperfeiçoamentos posteriores, sendo que os outros partidos tentam agora recuperar o tempo perdido, mas em condições mais precárias e menos profissionais. Por exemplo, o Bloco e Esquerda utiliza a excelência discursiva dos sus dirigentes com acesso privilegiado à comunicação social para atingir os mesmos objectivos.

O sucesso destas técnicas de manipulação do mercado eleitoral, com o objectivo principal de manter níveis elevados de aprovação nas sondagens, passa por eleitores não muito esclarecidos, pelo anúncio e medidas positivas, reais ou imaginárias, e pela permanente mudança de foco de atenção das pessoas. Nos casos recentes do fogo de Pedrógão Grande e do roubo de armas de Tancos, as técnicas de relativização da verdade têm sido seguidas com notável disciplina, nomeadamente ao nível do PS e do Governo, sendo que o único factor divergente resultou da insistência de alguns meios de comunicação e do sentimento geral dos portugueses, que mostram continuar interessados no tema. Ou seja, apenas o interesse das pessoas e da comunicação social nos poderá aproximar da verdade nestes dois casos.

Nestes, como noutros casos, há por vezes tentativas de suavização da fuga à verdade, como aconteceu recentemente quando o Presidente da República relativizou a questão do número de mortos m Pedrógão, com o argumento de que diferentemente dos regimes de ditadura, em democracia a verdade acabaria por ser revelada. O que está longe de ser verdade, nomeadamente em países como Portugal, em que as instituições do Estado e da sociedade dependem excessivamente dos governos e são fracamente independentes. Basta recordar a grande unidade revelada quer no Governo quer na generalidade das instituições, sobre Tancos e sobre as explicações para a tragédia de Pedrógão Grande. É verdade que a procuradora-geral da república mostrou a sua independência revelando a lista dos mortos, mas no tempo de José Sócrates a sua dependência do então Primeiro-Ministro era evidente.

Em resumo, é na procura sistémica da verdade e na independência das instituições, bem como no carácter dos escolhidos individualmente pelo povo – e não em listas fechadas - que em democracia os cidadãos podem esperar conhecer a verdade e ser governados em função da realidade. Em Portugal estamos longe de que estejam cumpridas estas condições.

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